Muito se louvou a arte do encontro, mas poucos louvaram a arte do adeus. No entanto, não há gesto tão profundamente humano quanto uma despedida. É aquele momento em que renunciamos não apenas à pessoa amada, mas a nós mesmos, ao mundo, ao universo inteiro. O amor relativiza; a renúncia absolutiza. E não há sentimento mais absoluto do que a solidão em que somos lançados após o derradeiro abraço, o último e desesperado entrelaçar de mãos. Arrisco mesmo a dizer: só os amores verdadeiros acabam. Os que sobrevivem, incrustados no hábito de amar, podem durar uma vida inteira e podem até ser chamados de amor mas nunca foram ou serão um verdadeiro amor. Falta-lhes exatamente o Dom da finitude, abrupta e intempestiva. Qualidade só encontráda nos amores que infundem medo e temor da destruição. Não se vive o amor; sofre-se o amor. Sofre-se a ansiedade de não se poder retê-lo, porque as nossas cordas afectivas são muito frágeis para mantê-lo retido e domesticado como um animal de estimação. Ele é bravio e despedaça-nos a cada embate e por fim extingue-se e extingue-nos com ele. Aponta numa única direção: o rompimento. Pois só conseguiremos suportá-lo se ocultarmos do nossos sentidos o objecto dessa desvairada paixão. Mas não se pense que esse é um gesto de covardia. O grande amor exige isso. O rompimento é sua parte complementar. Uma maneira astuciosa de suspender a tragédia, ditada pelo instinto de sobrevivência de cada um dos amantes. Morrer um pouco para se continuar a viver. E poder usufruir daquele momento mágico, embebido de ternura, em que a voz falseia, as mãos abandonam e cada qual vê o outro afastar-se como se através de uma cortina líquida ou de um vitral embaçiado. Há todo um imaginário sobre os adeuses e as separações, construído pela literatura e pelo cinema. O cenário pode ser uma estação de comboios, um aeroporto (remember Casablanca), uma estaçao de camionagem. Pode ser uma praça ou uma praia deserta. Falésias ou ruínas de uma cidade perdida. Pode ate estar a chover ou a nevar, mas o vento é imprescindível. As nuvens devem revolutear no horizonte, como a sugerir a volubilidade do destino. Os cabelos da/o amada/o, longos e escuros, fustigam de leve os seus lábios entreabertos. Há sutis crispações, um discreto arfar de seios. E os olhos, ah!, os olhos... A visão é o último e o mais frágil dos sentidos que ainda nos une ao que acabamos de perder. Uma grande dor, uma solidão cósmica, um imenso sentimento de desterro. Que se curam algum tempo depois com um amor vulgar, desses feitos para durar uma vida inteira...
1 Comentários:
Às 12:47 da manhã , Anónimo disse...
Olá , como sempre e como soube , basta seres aquário para seres um autêntico poço de surpresas , li os teus textos todos e gostava de te dar os parabéns por tanta magia de palavras!
Abraços
G.
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial