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terça-feira, março 06, 2007

O passarinho engaiolado


Dentro de uma linda gaiola vivia um passarinho. A sua vida era segura e tranquila. Tranquilidade e segurança: coisas que todos desejam. Barco ancorado não naufraga.

Avião no hangar não cai. Para viverem em segurança as pessoas constroem gaiolas e passam a viver dentro delas. Dentro das gaiolas não há perigos. Só monotonia.

Todos os dias a mesma coisa. Tudo o que acontece todos os dias da mesma maneira é chato. Esse é o preço da segurança: a chatice. Dentro da gaiola não há muito para fazer, seja ela feita de arames de ferro ou madeira. Os sonhos das aventuras selvagens aparecem, mas, logo que vêem os arames, morrem. Alguns, malvados, furam os olhos dos pássaros engaiolados. Dizem que pássaro de olho furado tem um cantar mais bonito. Talvez, cegos, eles se esqueçam de que estão presos numa gaiola. Mas, mesmo que não estivessem, de que lhes adiantaria ter asas para voar se não têm olhos para ver?

A tua cegueira é a tua gaiola. Há muitas pessoas assim: parecem ter olhos normais, parecem ver tudo. Na verdade nada vêem, a não ser o seu mundinho. Tua cegueira é a tua gaiola. O nosso amigo, passarinho engaiolado, lembrava-se do dia em que, enganado pelo alpiste tentador, saboroso, entrou no alçapão.

Os alçapões são assim: têm sempre uma coisa apetitosa lá dentro. Mas basta que essa coisa apetitosa seja bicada para que a porta se feche para sempre, até que a morte a abra... Na porta da gaiola estava escrita uma frase famosa, de um poeta famoso, Dante Alighieri: deixai toda a esperança vós que entrais. Mas o passarinho não entende nem a escrita nem a linguagem dos humanos. Há um poema famoso, de Guerra Junqueiro, sobre o melro, pássaro que canta risos de cristal. Um padre velho e resmungao tinha raiva do melro. Ele comia as sementes que o padre semeava. Um dia, o padre encontra o ninho do melro num arbusto. Estava cheio de filhotes. O padre, para se vingar da mãe, engaiola os filhotes. A mãe, ao ver os seus filhos engaiolados, e sem forças para abrir a portinhola de ferro, traz no seu bico um galho de veneno. " meus filhos, a existência é boa só quando se é livre", disse. "a liberdade é a lei. Prende-se a asa, mas a alma voa... Ó filhos, voemos pelo azul!... Comei!" É certo que a mãe do nosso passarinho nunca lera o poema de Guerra Junqueiro porque, ao ver o seu filho engaiolado, disse-lhe: "finalmente as minhas orações foram respondidas. Tu estás seguro, para o resto da tua vida. Nada há a temer. Nenhum gato te comerá. Comida não te faltará. Tu estarás sempre tranquilo. Se tu ficares deprimido, canta. Quem canta os seus males espanta. Vê: todos os pássaros engaiolados cantam!" As palavras da sua mãe não o convenceram. Do seu pequeno espaço ele olhava para os outros passarinhos. Os bem-te-vis, atrás dos bichinhos; os sanhaços, entrando mamões adentro; os beija-flores, com seu mágico bater de asas; os urubus, nos seus vôos tranqüilos na profundidade do céu; as rolinhas, arrulhando, a fazer amor; as pombas, a voar como flechas. Ele queria ser como os outros pássaros, livres... Ah! Se aquela maldita porta se abrisse... Isso era tudo o que ele desejava. Pois não é que, para surpresa sua, um dia o seu dono esqueceu-se da porta da gaiola aberta? Ele poderia agora realizar todos os seus sonhos. Estava livre, livre, livre! Saiu. Voou para o galho mais próximo. Olhou para baixo. Porra! Como era alto! Sentiu-se tonto. Estava acostumado com o chão da gaiola,mais perto do chao. Teve medo de cair. Agachou-se no galho, para ter mais segurança. Viu uma outra árvore mais distante. Teve vontade de ir até lá. Perguntou-se se suas asas agüentariam. Elas não estavam acostumadas. O melhor seria não abusar, logo no primeiro dia. Agarrou-se mais firme. Nesse momento um insecto passou bem á frente do seu bico. Chegara a hora. Esticou o pescoço o mais que pôde, mas o insecto não era tolo.Fugiu mostrando a língua. "Ei, tu!" - era uma passarinha. "Vamos voar juntos até o quintal do vizinho? Há uma linda pimenteira, carregadinha de pimentas vermelhas. Deliciosas. Só é preciso prestar atenção ao gato que anda por lá..." Só o nome "gato" já lhe deu um arrepio. Disse para a passarinha que não gostava de pimentas. A passarinha procurou outro companheiro. Ele preferiu ficar com fome. Chegou o fim da tarde e, com ele, a tristeza do crepúsculo. A noite aproximava-se. Onde iria dormir? Lembrou-se do prego amigo, na parede da cozinha, onde a sua gaiola ficava pendurada. Teve saudades dele. Teria de dormir num galho de uma árvore, sem protecção. Os gatos sobem as árvores? Eles veem no escuro? E era preciso não esquecer os gambás. E tinha de pensar nos meninos com as suas fisgas, no dia a seguir. Tremeu de medo. Nunca imaginara que a liberdade fosse tão complicada. Somente podem gozar a liberdade aqueles que têm coragem. Ele não tinha. Teve saudades da gaiola. Voltou. Felizmente a porta ainda estava aberta. Entrou. Pulou para o poleiro. Adormeceu agradecido a deus pela felicidade da gaiola. É muito mais simples não ser livre. Nesse momento chegou o dono. Vendo a porta aberta, disse: "passarinho tolo. Não vis-te que a porta estava aberta. Deves ser cego. Pois o passarinho na verdade não fica na gaiola. Gosta mesmo é de voar...

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